Por Juliana Furtado Costa Araujo

Dentro da dimensão objetiva do processo, o de execução fiscal direciona nosso olhar para a dívida ativa, conceito que engloba todo e qualquer valor legalmente devido à Fazenda Pública. O instrumento que a materializa é a Certidão de Dívida Ativa (CDA), que, para além de quantificar o valor devido, funcionando como título executivo extrajudicial, cuja expedição é antecedida do controle de legalidade, ato dos mais importantes dentro da sistemática do processo de positivação que viabilizará, ao seu final, o recolhimento de créditos inadimplidos aos cofres públicos.

O controle de legalidade, que precede à formalização da CDA, cuja previsão normativa consta do artigo 2º, §3°, da Lei nº 6.830/80, é de competência do representante judicial da Fazenda Pública, cabendo na esfera federal à PGFN. Assume importância porque potencializa a efetividade daquilo que será submetido à cobrança judicial executiva [1].

Com a chegada da Portaria PGFN nº 33/2018, de unilateral, esse ato passou a ser potencialmente bilateral, ajustando-se ao disposto em seu artigo 2º, preceito que estabelece que o controle de legalidade é direito do contribuinte e dever do procurador da Fazenda Nacional, cuja realização pode se dar a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento da parte interessada.

Seja o crédito tributário constituído pela autoridade lançadora (lançamento de ofício) ou pelo contribuinte (lançamento por homologação), havendo participação dos sujeitos interessados na própria definição da sua natureza e montante, qualquer problema que afete sua liquidez e certeza ou o prosseguimento de sua cobrança impõe prévia correção ou extinção, a fim de reduzir litigiosidade futura mediante o não ajuizamento da ação executiva. Esse, em suma, o desejo revelado pelo normativo mencionado.

Um controle de legalidade com potencial bilateralidade certamente conversa com a postura que a administração tributária federal tem assumido, empenhando-se na instrumentalização de medidas extraprocessuais estimuladoras do pagamento dos créditos em aberto, visando a conferir maior efetividade à cobrança.

O protesto de dívidas, a inscrição no Cadin (cadastro de inadimplentes de créditos federais) e a averbação pré-executória são algumas dessas medidas catalogadas como meios de cobrança “indireta”. Enfatizamos: o predicado “indireta” individualiza esses atos como estimuladores de pagamento e não impositores de sua satisfação, o último consagrado pela cobrança em si.

Ao lado desses mecanismos, de todo modo, torna-se imprescindível que os valores passíveis de cobrança se revelem líquidos, certos e exigíveis em sua potencialidade máxima, o que passa a exigir que a administração tributária também dirija seu olhar para o contribuinte, fornecendo-lhe meios que permitam sua participação na confirmação do crédito cuja execução está por vir.

Eis a potencial bilateralidade de que falamos.

Nesse contexto, está a Portaria PGFN nº 33/2018 que, entre outras providências, conferiu ao contribuinte, em seu artigo 6°, a possibilidade de apresentar, no prazo de 30 dias após a inscrição “preliminar” em dívida ativa, o PRDI (o pedido de revisão de dívida inscrita).

Não que o PRDI, ainda que sem essa nomenclatura agora oficializada, seja uma grande novidade, afinal o contribuinte sempre pode exercer seu direito de petição junto à administração tributária. É inegável, porém, que, a partir da Portaria PGFN nº 33, passamos a ter uma atuação do contribuinte demarcada no tempo e que, se apresentada no prazo conferido, terá o efeito de sustar os atos de cobrança “indireta”, exatamente porque a exigibilidade do crédito estará em xeque.

Para além da definição do momento em que o contribuinte poderá apontar inconsistências no débito, com afastamento de medidas de “cobrança indireta”, o maior trunfo do PRDI é dar efetividade ao controle de legalidade, por meio de concreta cooperação do contribuinte.

No momento em que ao contribuinte é dada a possibilidade de se insurgir contra a exigibilidade do crédito tributário, com suspensão das medidas estimuladoras do pagamento, levando à apreciação da autoridade administrativa todas as matérias elencadas no artigo 15 da portaria referida, quebra-se um paradigma até então existente, qual seja, o de que, após a inscrição em dívida ativa, o percurso natural do débito em aberto seria o ajuizamento da execução fiscal.

A confirmação da presunção de legalidade do débito, restrita que era ao controle de legalidade feito unilateralmente pela administração, bem como daquele inerente ao próprio processo constitutivo da obrigação tributária, passa a contar com a participação do sujeito passivo.

Essa bilateralidade consagrada em fase pré-processual deriva, sem dúvida, do aperfeiçoamento do sistema de cobrança do crédito tributário federal, já que a efetividade buscada pelo credor anda ao lado da necessidade de participação do sujeito passivo na definição do que deve ser exigido.

O grande vencedor, com tudo isso e ao final, é o processo de cobrança que espelhará com muito mais precisão o crédito devido, exaltando a segurança como requisito gerador da racionalidade do sistema.


[1] Sobre o controle de legalidade recomendo a leitura de texto dessa série escrita por Esdras Bocatto sobre inscrição em dívida ativa e processo tributário disponível <https://www.conjur.com.br/2021-abr-06/bocatto-inscricao-divida-ativa-processo-tributario>


Juliana Furtado Costa Araujo é doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora do Mestrado Profissional da FGV Direito SP, procuradora da Fazenda Nacional, atuando como procuradora-chefe da Defesa na PRFN/3ª Região, e pesquisadora do grupo de estudos em processo tributário analítico do Ibet.

Fonte: Publicação Original em Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2021, 13h16