Por Danilo Monteiro de Castro e Vanessa Damasceno Rosa Spina

Noutra oportunidade, anotamos que o mandado de segurança se apresenta como espécie processual antiexacional alternativa àquelas ordinariamente previstas na legislação processual, podendo fazer as vezes, por exemplo, de declaratória negativa, a depender do momento do ciclo de positivação em que o conflito for instaurado.

É sobre a correspondência entre esses dois tipos de ação que gostaríamos de lançar luzes, quer para enaltecer o usual cabimento dessas ferramentas diante de um mesmo cenário fático (risco de autuação; iminência da constituição de questionável crédito tributário), quer, principalmente, para salientar os riscos e ônus jungidos a cada qual, com vistas a facilitar a escolha do procedimento a ser utilizado na defesa dos interesses do contribuinte.

Em se tratando de mandado de segurança, não podemos descurar que, por expressa prescrição constitucional, seu uso exige a presença de ato de autoridade, concreto ou potencial, que justifique a impetração. A exigência de tributo, mesmo que potencial, em descompasso com os ditames constitucionais e legais, adequa-se precisamente a essa situação, haja vista que o modo de atuação do Fisco, a teor do que dispõe o artigo 142 do CTN, deve importar a edição de ato de autoridade fiscal.

Portanto, se verificada a iminência de lançamento a ser efetivado fora dos contornos constitucionais e legais, ter-se-á materializado, em consequência, o justificado risco — “justo receio” na linguagem do artigo 1º, Lei 12.016/2009 — da prática de ato abusivo e ilegal combatível por meio do mandado de segurança, o que só aproxima os dois mecanismos de atuação preventiva do sujeito passivo: o ordinário (ação declaratória negativa) e o especial (mandado de segurança preventivo).

A diferença que se estabelece entre os instrumentos, senão pelo aspecto mencionado, diz com o fato de a via excepcional (mandamental) exigir a presença do chamado “direito líquido e certo”, assim entendida a situação em que há prova pré-constituída das alegações produzidas (prova documental). E isso porque, diferentemente de uma ação de rito comum, no procedimento mandamental não há que se falar em possibilidade de dilação probatória.

Não queremos dizer com isso que a complexidade do caso questionado impede a utilização desta via processual, mas apenas que, seja qual for o nível de complexidade dos fatos suscitados, devem ser eles demonstrados de plano, por meio de documentos acostados à petição inicial.

Aqui já detectamos ponto importante de distanciamento entre as referidas ferramentas. Se o deslinde do conflito depender de prova adicional a ser produzida em fase específica, o uso do mandado de segurança é inviável e, infelizmente, trata-se de corriqueiro desfecho, mesmo em casos de duvidosa necessidade de prova complementar (espécie de “jurisprudência defensiva” a findar o conflito sem julgamento do seu mérito). De suma importância, portanto, a demonstração cabal de que as provas previamente produzidas são suficientes e eficientes para a apreciação do mérito da pretensão.

O segundo ponto de distanciamento entre as ferramentas processuais em exame, está relacionado com a composição subjetiva da relação jurídico-processual própria a cada qual. Com efeito, se há identidade no polo ativo destas duas espécies de demandas antiexacionais (o sujeito passivo da relação jurídica tributária prestes a ser constituída), o mesmo não se pode dizer em relação ao polo passivo. Isso porque no polo passivo do mandado de segurança devem necessariamente ser incluídos a autoridade coatora e o ente político tributante, em situação que revela um típico caso de litisconsórcio passivo necessário, cenário ausente na ação declaratória negativa, onde só o ente político tributante figurará no polo passivo.

Há de se registrar, outrossim, que, quando se está diante de uma discussão atinente à inexigibilidade de determinado tributo, instaurada previamente à realização do lançamento, a complexidade que caracteriza as estruturas hierárquico-funcionais dos órgãos fazendários em todas as esferas, resulta em grande dificuldade na definição concreta da autoridade fiscal a ser erigida à condição de “impetrada”.

Por ainda não termos um ato administrativo devidamente formalizado (e, sim, iminência de sua produção) por ocasião da impetração do mandado de segurança, a identificação da autoridade coatora pode ser, a depender do caso concreto, tema altamente controverso, a ensejar disputas paralelas com grande potencial para prejudicar a apreciação do mérito do conflito (validade ou não do tributo que se pretende não seja constituído) no tempo desejado, circunstância que deverá ser sopesada quando da escolha do instrumento processual (ordinário ou especial).

Diante de tantas exigências a serem observadas para a viabilização do mandado de segurança, uma pergunta exsurge: se é verdade que tudo o que pode ser obtido pela via mandamental, também pode ser concretizado pela via ordinária (ação declaratória negativa), por que não optar sempre pela segunda?

A resposta é simples: o mandado de segurança constitui instrumento processual mais seguro sob o ponto de vista do risco financeiro, por se tratar de ação que não implica condenação em honorários de sucumbência (artigo 25, Lei 12.016/2009) no caso de desacolhimento da pretensão, cenário sempre presente na ação declaratória negativa (aqui, na via ordinária, o contribuinte vencido arcará com esse ônus fixado de acordo com as regras dispostas no artigo 85 do CPC).

A utilização da via excepcional, em razão desse impacto econômico mais benéfico ao contribuinte-impetrante (ausência de reflexos financeiros em caso de derrota), vem sendo a primeira opção na prática tributária, em especial nas discussões fundadas nas chamadas “teses tributárias”, em que o impetrante deve apenas demonstrar sua condição de potencial sujeito passivo da obrigação tributária para justificar a impetração, visando impedir lançamentos em descompasso com a legislação.

De todo modo, é forçoso concluir que não apenas o aspecto financeiro deve ser considerado na definição da ação a ser proposta pelo contribuinte, sendo de suma importância observar as peculiaridades procedimentais que caracterizam o mandado de segurança preventivo, quando comparado à ação declaratória negativa.

O uso do mandado de segurança, em situações de risco iminente, é altamente recomendado, mas seu manejo inadequado pode comprometer o enfrentamento e a resolução da questão de mérito (ilegitimidade da exigência fiscal se concretizada na situação descrita) que sustenta a pretensão do sujeito passivo tributário.


Danilo Monteiro de Castro é advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC/SP, professor do Ibet, juiz do TIT/SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Vanessa Damasceno Rosa Spina é advogada, especialista em Direito Tributário pelo IBET, L.L.M. em Direito Empresarial pelo CEU e pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Fonte: Publicação original em Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2021, 8h02